terça-feira, 27 de maio de 2008

rodopio


Entrou na vida e rodopiou três vezes. Para que os dois olhos virados para o passado se pregassem com força no presente, no lugar das lágrimas. Entrou na vida de rompante. Esqueceu-se, de propósito, de limpar os pés no tapete da entrada e de se benzer sob a soleira da porta. Há dias em que mais vale nem nos lembrarmos do tempo. Para nos livrarmos dessa força centrífuga que teima em colar-nos a sola dos sapatos ao chão quebrado. São mil pedaços de ilusão que se nos colam aos pés.

- Vai sofrer - diziam.
- Vai chorar lençóis de água onde nem o sol adormece.

Mas ela precisava que lhe arrancassem os girassóis das mãos.

"É impossível saber dizer o que dói mais quando se perde a meada ao amor" - pensava. "Há a memória de uma casa pequenina e de uma janela, e dentro da janela há outras mil memórias que não sei guardar.

- Fecha a janela" - gritava sozinha. Sem saber que há janelas que ficam sempre abertas.

É impossível acreditar sempre que entramos na vida com um percurso justo preconcebido. Ela já tinha acreditado muito tempo.

Ao terceiro rodopio ficou muito tempo parada sozinha. A chorar os lençóis de água que nem o sol deixa secar. Os olhos presos no presente, no lugar das lágrimas. Lembrou-se dos dias em que o espaço pequenino de uma janela deixava entrar o coração grande demais para caber. Não quis sorrir. O coração grande demais não lhe cabia no sorriso.

- Está a esconder a luz que lhe vem de dentro. Cobre-se com a noite. Há um sol a fingir de lua que não deixa o sonho passar. Não faz de propósito para sofrer. É a história dela. Tenta dormir e não consegue.

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